quarta-feira, março 18, 2015

Tá morto?

- Morreu?

Ouviu a pergunta de muito longe.  Seu corpo, estirado sobre as pedras portuguesas e rodeado por curiosos, estava inerte. Dalí podia ver um céu azul radiante com uma nuvem imensa passando de soslaio. Voltou no tempo, lá atrás, quando era apenas um menino. Exausto, após rodopiar na areia, admirava no céu as nuvens formando anjinhos, cavalos-marinhos, castelos, crianças. O tempo passava lento e quase sempre era despertado por uma voz longínqua, como agora.

- Coitado! Tão moço!

Há poucos minutos saíra de uma agência bancária com o dinheiro que sacara do FGTS e atravessava o Largo da Carioca quando um estranho se aproximou e lhe ordenou baixinho:

- Passa a grana!

Continuou a caminhar ainda sem entender o que estava acontecendo... como aquele sujeito sabia que ele estava com dinheiro? Apressou o passo e entrou pelo portão do jardim que dá acesso ao Convento de Santo Antônio na esperança de se deparar com algum policial e se safar daquela situação. Mas, ao apressar o passo, a fuga foi percebida pelo meliante que lhe deu um tiro e fugiu em seguida. Ele cambaleou, procurando algo em que se apoiar e tombou no meio do passeio com as costas no chão.

Do seu leito de pedra podia ver o céu azul e a nuvem branca através de uma abóbada de curiosos. Percebeu que alguma coisa havia acontecido, mas o céu azul e a nuvem branca lhe davam uma sensação de paz infinita. Sentiu alguém lhe tomar o pulso, apertar-lhe a carótida, mas tudo era tão distante.

Tantas vezes quis ser astronauta, ir além das nuvens, ter a mesma visão de Gagarin ou, quem sabe, ter um tapete voador para viajar em segundos sobre as areias escaldantes do deserto e depois avançar sobre as espumas brancas do mar. Não havia mais preocupações. Contas, compromissos, responsabilidades... nada mais parecia ter importância diante da beleza daquele céu azul.

- Tá morto?

Não sabia responder. Estava vivo antes ou estava vivo agora... difícil dizer. Sempre ouvira que na hora da morte se sentia frio, mas estava quente... talvez já estivesse morto. Também se lembrava de relatos de pós-morte em que o “morto” se via estirado no chão e contemplava o alvoroço em torno de seu corpo inerte, mas tudo que importava naquele momento era aquele céu azul e aquela nuvem branca cobrindo uma parte do Largo da Carioca.

Foi despertado por um forte impacto no peito que o fez abrir a boca e buscar o ar desesperadamente. Como se de seus ouvidos fosse retirado um tampão, ele agora ouvia a algazarra intensa das pessoas aplaudindo em sua volta.

- Ele está vivo!

As pessoas se abraçavam e uma moça, segurando sua mão, lhe pedia para não se mexer. Foi erguido do chão, colocado numa maca e levado para algum lugar. Para onde, não sabia. De tudo que lhe acontecera só tinha uma certeza: deveria olhar mais vezes para o céu.